Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
037807
Nº Convencional: JSTJ00002110
Relator: VILLA NOVA
Descritores: PROCESSO CORRECCIONAL
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198705200378073
Data do Acordão: 20-05-1987
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1987/06/24, PÁG. 2407 A 2411 - BMJ Nº 367 ANO 1987, PÁG. 191
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA PLENO
Decisão: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL. DIR PROC CIV.
DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 91 ARTIGO 117 ARTIGO 124 ARTIGO 453 ARTIGO 646 N6.
CPC67 ARTIGO 145 N5 ARTIGO 523 N2.
CCIV66 ARTIGO 9 N1 N2.
DL 35007 DE 1945/10/13 ARTIGO 30.
L 2138 DE 1969/03/14 ARTIGO 1 ARTIGO 2.
DL 400/82 DE 1982/09/23.
DL 402/82 DE 1982/09/23 ARTIGO 1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1963/10/25 IN BMJ N130 PAG436.
ACÓRDÃO STJ DE 1969/12/17 IN BMJ N192 PAG192.
ACÓRDÃO STJ DE 1973/07/31 IN BMJ N229 PAG84.
ACÓRDÃO STJ DE 1977/02/09 IN BMJ N264 PAG110.
ACÓRDÃO STJ DE 1983/06/29 IN BMJ N328 PAG485.
ACÓRDÃO STJ DE 1984/01/04 IN BMJ N333 PAG295.
ACÓRDÃO STJ DE 1984/01/04 IN BMJ N333 PAG299.
ACÓRDÃO STJ DE 1984/12/19 IN BMJ N342 PAG315.
Sumário :
O n. 6 do artigo 646 do Codigo de Processo Penal, com a redacção dada pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 402/82, de 23 de Setembro, prescreve a irrecorribilidade dos acordãos das Relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correccional que, não sendo condenatorios, não tenham posto termo ao processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em sessão plenaria, no Supremo Tribunal de Justiça (STJ):

Com base no artigo 668 do Codigo de Processo Penal (CPP), o digno procurador-geral adjunto neste STJ interpos recurso para o tribunal pleno do Acordão de 19 de Dezembro de 1984 (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 342, p. 315), com o fundamento de estar em oposição com o Acordão Doutrinario de 4 de Janeiro de 1984 (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 333, p. 295), ambos deste STJ.

O aludido digno magistrado concretizou do seguinte modo a invocada oposição:


O acordão recorrido não conheceu do recurso do acordão da relação proferido sobre recurso interposto em processo correccional que, entendendo haver sido descriminalizado o crime imputado ao reu, determinou que os autos deviam ser arquivados.


O Acordão de 4 de Janeiro de 1984 admitiu o recurso igualmente proferido sobre recurso interposto em processo correccional que declarou amnistiado o crime atribuido ao reu e, por isso, julgou extinto o procedimento criminal instaurado (com o consequente arquivamento do processo).


Para tanto, este ultimo acordão considerou que a nova redacção do n. 6 do artigo 646 do CPP, introduzida pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 402/82, de 23 de Setembro, teve o alcance de excluir certa restrição a recorribilidade das decisões da relação, entendendo que passaram a ser recorriveis para este STJ os acordãos que, embora não condenatorios, ponham termo ao processo, pelo que so não havera recurso para este mesmo Tribunal quando os acordãos não tenham posto termo ao ao processo.
Por sua vez, o acordão recorrido considerou que "não são apenas esses os acordãos irrecorriveis, tambem o continuam a ser aqueles que não sejam condenatorios".


O acordão de folhas 19 a folhas 20 reconheceu preliminarmente existir a invocada oposição.


O digno procurador-geral-adjunto deu parecer sobre a solução a dar ao conflito de jurisprudencia, pronunciando-se favoravelmente a tese restritiva da irrecorribilidade, com a consequente revogação do acordão recorrido e formulação do assento, para o que propos, em alternativa, varias redacções.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O acordão, que reconheceu a existencia da oposição, não impede que o tribunal pleno decida em contrario [artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 668, paragrafo unico, do CPP].


Reexaminando a questão, a oposição existe.


Com efeito, os dois acordãos em causa, perante acordãos da relação proferidos sobre recursos interpostos em processo correccional que decidiram em sentido conducente ao arquivamento dos processos, julgaram, interpretando de forma diversa o n. 6 do artigo 646 do CPP, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 402/82, de 23 de Setembro, em sentidos contrarios.


O acordão recorrido, entendendo que passou a não ser permitido recorrer para este STJ, quer dos acordãos que não forem condenatorios, quer dos que, sendo-o, não ponham, todavia, termo ao processo (tese ampliativa da irrecorribilidade), não conheceu do recurso.


Este entendimento e o que, com maior clareza do que a resultante do acordão recorrido, se contem na parte final do voto de vencido exarado no Acordão deste STJ, tambem de 4 de Janeiro de 1984, mas publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 333, p. 299: "o legislador quis significar que [...] o primeiro fundamento de irrecorribilidade não obstaria a que tambem se não pudesse recorrer de alguns (poucos) acordãos condenatorios".
O Acordão Doutrinario de 4 de Janeiro de 1984, entendendo que so não e permitido recorrer para este STJ dos acordãos não condenatorios e que tambem não tenham posto termo ao processo (tese restritiva da irrecorribilidade), conheceu do recurso.


Encontrando-se, deste modo, justificado o recurso para o tribunal pleno, ha que apreciar o seu objecto.


Dispunha o artigo 646 do CPP, com a redacção dada pelo artigo 1 da Lei n. 2138, de 14 de Março de 1969:


Não havera recurso:


[...]
6. Dos acordãos das relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correccional que não sejam condenatorios [...];


[...]
Passou esse artigo a dispor, com a redacção dada pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 402/82, de 23 de Setembro:


Não havera recurso:


[...]
6. Dos acordãos das relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correcional que não sejam condenatorios ou que não tenham posto termo ao processo [...];


[...]
Qual, apos a mudança de redacção, o sentido da lei? Este so pode ser alcançado atraves de interpretação.


A interpretação assenta, em primeira linha, sobre as palavras, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [n. 3 do artigo 9 do Codigo Civil (CC)].


Mas esta presunção e um simples principio, um ponto de partida.
A interpretação não deve cingir-se a letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema juridico, as circunstancias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que e aplicada (n. 1 daquele artigo 9).
O recurso aos chamados elementos extraliterais torna-se mesmo fundamental quando - como não raras vezes acontece


- ha erros ou deficiencias de redacção por parte do legislador ou e dubio o sentido das palavras por ele empregadas, ou seja, quando, no dizer da propria lei, o pensamento legislativo e "imperfeitamente expresso"
(n. 2 do citado artigo 9).


Posto isto, passa-se a interpretação da expressão "que não sejam condenatorios ou que não tenham posto termo ao processo".
No voto de vencido exarado no Acordão deste STJ de 4 de Janeiro de 1984, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 333, p. 299, da autoria do relator do acordão recorrido e vencido no Acordão Doutrinario de 4 de Janeiro de 1984, escreveu-se:


[O legislador] não poderia ter sido mais inabil, caso fosse seu desejo introduzir uma limitação (alias drastica) a irrecorribilidade dos acordãos não condenatorios.
Dizia, então, não haver recurso destes acordãos, mas so quando não pusessem termo ao processo. Isto e, ligaria o antigo requisito ao novo por uma locução restritiva, aquela ou qualquer outra, como no caso de, na hipotese de, contanto que, na condição de, se.


Querendo respeitar a estrutura da frase, escreveria "acordãos que, não sendo condenatorios, tambem não tenham posto termo ao processo". Quando muito, mas ja agora correndo um certo risco de obscuridade, acopularia as duas orações relativas, mediante o uso da conjunção e.
Mas não foi isso o que sucedeu. O legislador utilizou o disjuntivo ou, que "exprime exclusão ou alternativa" [...]


Quer dizer, [...] dois fundamentos distintos de irrecorribilidade, cada um com o seu campo proprio.


Certo e, porem, que o legislador, caso fosse seu desejo introduzir uma ampliação a irrecorribilidade dos acordãos não condenatorios - ampliação essa de muito escassa dimensão [recorde-se que, segundo a tese ampliativa da irrecorribilidade, são irrecorriveis os acordãos não condenatorios e "alguns (poucos) acordãos condenatorios"]


-, não teria sido menos inabil. Dizia, então, não haver recurso dos acordãos não condenatorios ou dos que, sendo condenatorios, não pusessem termo ao processo. Isto e, ligaria o antigo requisito ao novo por uma inequivoca expressão, aquela ou qualquer outra, como e não o sendo, e no caso de o não serem, e na hipotese de o não serem, e se o não forem.


E certo e tambem que exclusão, resultante do emprego do disjuntivo ou, se verifica no caso de a expressão que se esta interpretando se dar o entendimento (restritivo da irrecorribilidade) que lhe deu, por exemplo, o Acordão deste STJ de 14 de Novembro de 1984, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 341, p. 225:


Porque inutilidades não são de presumir na lei, esta e naturalmente de entender assim: preve-se no n. 6, em primeiro lugar, a hipotese de os acordãos serem condenatorios ou absolutorios, para so admitir recurso quanto aqueles; em segundo lugar, tendo-se em vista outros acordãos, que não os condenatorios ou absolutorios, admite-se recurso dos que ponham termo ao processo, e não dos restantes.


Seja como for, o pensamento legislativo não foi correctamente expresso, pelo que ha que busca-lo atraves dos elementos extraliterais.
No mesmo voto de vencido exarado no Acordão deste STJ de 4 de Janeiro de 1984, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 333, p. 299, escreveu-se:


[...] duas palavras para sossegar os espiritos inquietos por não verem exemplos de acordãos condenatorios sem porem termo ao processo e, portanto, irrecorriveis na minha tese.


E seguidamente apontaram-se ai, como tais, os que imponham as sanções a que se referem os artigos 91, 117, 124 e 453 do CPP e 145, n. 5, e 523, n. 2, do CPC, estes subsidiariamente aplicaveis.


E no voto de vencido exarado no Acordão Doutrinario de 4 de Janeiro de 1984 disse-se que o Decreto-Lei n. 402/82 quis substituir o artigo 2 da Lei n. 2138,


"estendendo a sua doutrina a casos analogos", como os daqueles artigos.
Não se cre que tenha sido essa a intenção do Decreto- -Lei n. 402/82.
O artigo 2 da Lei n. 2138 preceituou: "As decisões que tenham por objecto a sanção prevista no artigo 30 do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945" (indemnização por denuncia particular feita de ma fe ou com negligencia grave), "e na alinea e) do artigo 184 do Codigo das Custas Judiciais (CCJ)" (imposto de justiça por falta de comparencia, obrigatoria, do infractor) "so admitem recurso ate a relação".


A sanção prevista no artigo 30 do Decreto-Lei n. 35007 era a de indemnização. O imposto de justiça a que alude o artigo 178, n. 1, alinea a), do CCJ substituiu essa indemnização (Barros Mouro , Codigo das Custas Judiciais, 1984, p. 216).


Os artigos 91, 117, 124 e 453 do CPP e 145, n. 5, e 523, n. 2, do CPC respeitam, respectivamente, a multa e indemnização por falta injustificada de comparecimento, multa por ma fe instrumental nos acidentes, multa por ma fe instrumental no incidente de falsidade, indemnização ao reu absolvido no caso do assistente agir com dolo ou culpa, multa por pratica de acto fora do prazo legal e multa por apresentação intempestiva de documentos.

Sempre se entendeu, quer antes do Decreto-Lei n. 402/82, quer depois, que, para efeitos do n. 6 do artigo 646 do CPP, acordãos condenatorios são aqueles que, tendo julgado o feito, impõem uma pena e uma medida de segurança (v. g., Acordãos deste STJ de 17 de Dezembro de 1969, de
11 de Março de 1970, de 31 de Julho de 1973, de 9 de Fevereiro de 1977 e de 29 de Junho de 1983 - este ultimo subscrito pelo autor dos referidos votos de vencido -, in Boletim do Ministerio da Justiça, respectivamente, ns. 192, p. 192, 195, p. 149, 229, p. 84, 264, p. 110, e 328, p. 485).
Ora, a indemnização (depois imposto de justiça) e o imposto de justiça a que se refere o artigo 2 da Lei n. 2138 não são, manifestamente, penas ou medidas de segurança; ai houve ate o especial cuidado de lhes chamar sanções.
O mesmo sucede com as indemnizações mencionadas nos artigos 91 e 453 do CPP.
E, apesar de haver penas de multa, o mesmo sucede ainda com as multas a que aludem os artigos 91, 117 e 124 do CPP e 145, n. 5, e 523, n. 2, do CPC. Tais multas não são aplicadas em resultado de julgamento do feito, nem tem em vista a reprovação e prevenção de crimes.
Por isso mesmo, ja tem sido consideradas penas administrativas, e não penais (v., quanto ao artigo 91, o Acordão da Relação de Lisboa de 28 de Julho de 1978, in CJ, ano III, p. 1327).
Por outro lado, não pode conceber-se que o legislador tenha querido resolver, com a nova redacção dada ao n. 6 do artigo 646 do CPP, que, na parte em causa, respeita ao processo correccional, a recorribilidade ou irrecorribilidade de acordãos das relações proferidos sobre recursos interpostos em processo de querela, onde aquelas sanções tambem podem ser aplicadas.
Do exposto se conclui que as aludidas sanções, para efeitos do n. 6 do artigo 646 do CPP, não podem ser consideradas condenatorias e que o legislador não pode ter querido resolver nesse n. 6 a questão da recorribilidade ou irrecorribilidade das decisões que imponham tais sanções.
Tambem se invoca, em favor da tese ampliativa da irrecorribilidade, a razão de, tradicionalmente, se tender a restringir o acesso a este STJ, como "consequencia do constante aumento dos processos".
Mas, como adiante se vera, as circunstancias especificas do tempo de aplicação da nova redacção do n. 6 do artigo 646 do CPP - circunstancias que, como atras se referiu, são, com outras, ai tambem mencionadas, sobretudo de considerar - não conduzem a adopção dessa tese ampliativa.
E o aumento do numero de processos não pode ser, so por si, motivo de restrição dos recursos. Outras soluções terão de haver - e ha - para essa emergencia.
Rejeitados os elementos extraliterais em que a tese ampliativa da irrecorribilidade se baseia, não deve, porem, ficar-se por ai.
O Decreto-Lei n. 402/82 - em cujo relatorio se diz que tal diploma legal "visa estabelecer um conjunto minimo de normas que se reputam indispensaveis para viabilizar a entrada em vigor do Codigo Penal (CP)" - foi publicado na mesma altura em que o foi o Decreto-Lei n. 400/82, que aprovou esse Codigo.
Segundo a introdução ao novo CP, a sua parte geral e, em muitos aspectos, profundamente inovadora e a sua parte especial - "Parte especial do CP de uma sociedade plural, aberta e democratica" - diverge "sensivelmente da parte especial do CP de uma sociedade fechada sob o peso de dogmatismos morais e de monolitismos culturais e politicos".
A este respeito, em "Direito penal, ano lectivo de 1982", apontamentos compilados pelos alunos Paulo Miguel Olavo Cunha, Antonio Luis Pinho Teles e Miguel Nuno Pedrosa Machado de lições do Prof. Cavaleiro de Ferreira, escreveu-se:
O novo Codigo não e uma actualização do anterior, e novo exacto sentido da palavra. Essa sua caracteristica objectiva as dificuldades na sua correcta interpretação e na aplicação do direito penal.
A viabilização de que falou o relatorio do Decreto- -Lei n. 402/82 não se tornava possivel com decisões menos acertadas, nomeadamente por divorciadas do novo pensamento legislativo, e logo era de prever - o que a pratica confirmou - o avolumar de decisões menos correctas e de divergencias jurisprudenciais.
Bem se compreende, assim, que tenha havido o proposito de restringir a irrecorribilidade continuando a permitir-se o recurso dos acordãos condenatorios e passando a admitir-se o recurso dos acordãos não condenatorios que tenham posto termo aos processos.
Possibilitou-se, deste modo, que fossem, em maior escala, superiormente revistas decisões e estabelecidas orientações, com o largo proveito que a pratica tem demonstrado.
E, se alguma duvida pudesse subsistir, sempre a tese restritiva da irrecorribilidade seria de acolher.
Ja Luis Osorio (Comentario ao Codigo de Processo Penal Portugues, vol. 6, p. 305) dizia:
O que e essencial e que haja texto preciso a negar o recurso no caso em questão, pois na falta dele deve ser admitido, porque a antiga razão de que os recursos são de ampliar acresce esta outra de que o recurso e a regra e assim as excepções carecem de ser demonstradas.
Mais modernamente, o Acordão deste STJ de 25 de Outubro de 1963, in Boletim do Ministerio da Justiça, n. 130, p. 436, decidiu de forma lapidar:
No caso de duvida, os recursos são de admitir, permitindo o exame das questões por juizes de mais elevada categoria, favorecendo o acerto dos julgados, aumentando o seu prestigio e fazendo surgir - no dizer do Prof. Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, p. 193, ed. de 1959) - a confiança do povo na justiça.
Nestes termos, concedem provimento ao recurso, revogando o acordão recorrido, que devera ser substituido por outro, que conheça do objecto do recurso do acordão da Relação, e formulam o seguinte assento:
O n. 6 do artigo 646 do CPP, com a redacção dada pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 402/82, de 23 de Setembro, prescreve a irrecorribilidade dos acordãos das relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correcional que, não sendo condenatorios, não tenham posto termo ao processo.
Sem imposto de justiça.

Lisboa, 20 de Maio de 1987

Silvino Alberto Villa-Nova - Antonio Judice de Magalhães Barros Baião - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Augusto Tinoco de Almeida - Aurelio Pires Fernandes Vieira - Frederico Batista - Antonio Pereira de Miranda - Manso Preto - Fernando Pinto Gomes -
- Manuel Augusto Gama Prazeres - Claudio Cesar Veiga da Gama Vieira - João Solano Viana - Jose Fernando Quesada Pastor - Joaquim Figueiredo - Joaquim Gonçalves -
- Cesario Dias Alves - Mario Sereno Cura Mariano - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Jorge d'Araujo Fernandes Fugas - Antonio de Almeida Simões ( votei o assento, que, todavia, talvez fosse mais claro com a seguinte redacção: "[...] so admitem recurso para o STJ os acordãos das relações que, quando proferidos em processo correccional, sejam condenatorios por infracção criminal e sempre que tenham posto termo ao processo, salvo se forem absolutorios".) - Jose Meneres Pimentel [votei o assento, mas tendo em conta essencialmente o seguinte: a Lei n. 2138, de 14 de Março de 1969, estabeleceu uma categoria de casos de irrecorribilidade para o Supremo; o artigo 21 do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, acrescentou-lhe outra e, como subsistissem ainda outras hipoteses de recorribilidade para o STJ em processos correccionais, o Decreto-Lei n. 402/82, de 23 de Setembro, tomou outra (mais uma) opção, ou seja, alem daqueles casos tambem não se podera recorrer dos despachos ou decisões que não ponham fim ao processo] - Manuel Alves Peixoto (vencido, consoante a declaração que junto) - Julio Carlos Gomes dos Santos (vencido, nos termos da fundamentação do ilustre colega que antecede) - Pedro de Lima Cluny (vencido, por entender que a formulação do assento acabado de tirar excedeu o ambito do recurso, dando a entender que são recorriveis os acordãos absolutorios, que põem termo ao processo, materia que poderia vir a ser objecto de futura discussão. Os acordãos ditos em oposição versaram apenas hipoteses de acordãos que, não sendo condenatorios nem absolutorios, puseram termo ao processo. So decisões deste tipo tinham visado pontos em equação e o assento deveria ter-se limitado a considerar as ditas decisões opostas).
Declaração de voto:
O assento ora tirado veio dar uma interpretação inteiramente nova ao n. 6 do artigo 646 do CPP, diferente daquela que eu sempre preconizei e comigo dois presidentes deste Tribunal (Acordãos de 21 de Março de 1984, no processo n. 37313, e de 19 de Dezembro de 1984, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 342, p. 315) e que tambem proferiu o Tribunal Constitucional (Acordão de 21 de Janeiro de 1987, no Diario da Republica,
2 serie, de 31 de Março de 1987), diferente da que lhe deu o acordão doutrinal indicado em oposição (de
4 de Janeiro de 1984, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 333, p. 295) e diferente da que meses depois passou a seguir a maioria da Secção Criminal, inclusive o Sr. Conselheiro aqui relator (Acordãos de 14 de Novembro de 1984, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 341, p. 225, de 20 de Março e de 3 e de 25 de Julho de 1985 e de 9 e de 30 de Abril e de 9 e de 23 de Julho de 1986, nos processos ns. 37716, 37898, 37958, 38246, 38311, 38505 e 38343).
Ve-se assim que, enquanto eu me conservei fiel a ideia de duas especies autonomas de acordãos irrecorriveis (quer "os não condenatorios", quer "os que não ponham termo ao processo"), o resto dos juizes da Secção primeiramente entendeu que era so uma categoria dos isentos de recurso (a atras referida em segundo lugar, por o Decreto-Lei n. 402/82 ter "excluido a primeira"), depois admitiu que a lei realmente distinguia aquelas duas classes, mas reduzindo imenso o ambito da primeira (de um lado "acordãos absolutorios" e do outro os tais "que não põem termo ao processo") e agora, de surpresa, volta a tese da unidade, mas numa formulação ainda mais restritiva ("os não condenatorios que tambem não ponham termo ao processo").

Claro que esta instabilidade no entendimento do preceito e a melhor prova de que tem estado errado. Se o Decreto-Lei n. 402/82 tivesse querido tapar o Supremo so aos acordãos que "não pusessem termo ao processo", introduziria essa proposição no artigo 646, n. 6, e eliminaria pura e simplesmente a que nele havia metido a Lei n. 2138; se tivesse querido manter duas castas de acordãos irrecorriveis, mas reduzindo drasticamente a antiga, substituiria a expressão "não condenatorios" pelo adjectivo "absolutorios"; se tivesse querido limitar a irrecorribilidade aos acordãos que simultaneamente "não fossem condenatorios" e "não pusessem termo ao processo", ligaria as duas proposições por uma copulativa.
Pelo contrario, e de pensar que, mantendo o legislador de 1982, na integra, as palavras de 1969 e separando-as das novas pela disjuntiva ou, pretendeu conservar autonoma a antiga categoria, com a amplitude que sempre se lhe deu de acordãos onde se não aplicassem penas ou medidas de segurança, e acrescentar uma outra, ou seja, a dos condenatorios-interlocutorios.
Assim, e que me parece raciocinar adequadamente o artigo
9, n. 3, do CC), se não quisermos por o legislador a confundir uma disjuntiva com uma copulativa, a dizer preto ou branco quando deseje abarcar, ao mesmo tempo, uma coisa e tambem a outra.
E fora destas razões de texto militam as de fundo: a celeridade processual, a reduzida importancia dos interesses em jogo nos acordãos não condenatorios e o volume cada vez maior de recursos para o Supremo, que, segundo os trabalhos preparatorios da Lei n. 2138, justificaram a ampliação de 1969, mantem-se agravadas ainda hoje.
E, por sua vez, despropositado ver na nova redacção do artigo 646, n. 6, a vontade de escancarar o Supremo as questões suscitadas pelo CP de 1982. Primeiro, as normas dos recursos não são instrumento privativo deste; segundo, para o efeito bastaria a discussão dos acordãos condenatorios e, terceiro, uma tal finalidade levaria a alargar os recursos tambem nos processos sumarios (muitos por crimes puniveis ate tres anos de prisão) e o que se fez foi restringi-los.
Recreia-se, por fim, o assento na demonstração de que seria praticamente inutil isentar de recurso acordãos condenatorios que não põem termo ao processo. Para responder a isto, basta dizer que não o entenderam assim os legisladores de 1969, os quais, para evitarem que fossem tidos por "condenatorios" e, portanto, recorriveis os acordãos que aplicassem as sanções então previstas no artigo 30 do Decreto-Lei n. 35007 e na alinea e) do artigo 184 do CCJ, disseram no artigo 2 da Lei n. 2138 que os respectivos recursos iam so ate a relação.
O acrescento de 1982 quis obstar a referida interpretação e, ao mesmo tempo, alargar a irrecorribilidade a outras, muitas outras, "condenações" (criminais ou não) de somenos, para as quais basta recurso num grau (v. g. as dos artigos 117, 124 e 453 do CPP e 145, ns. 5 e 6, e 523, n. 2, do CPC).