Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
037778
Nº Convencional: JSTJ00001615
Relator: VASCONCELOS DE CARVALHO
Descritores: DESPACHO A DESIGNAR DIA PARA JULGAMENTO
LIBERDADE PROVISORIA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198702250377783
Data do Acordão: 25-02-1987
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1987/03/27, PÁG. 1254 A 1256 - BMJ Nº 364 ANO1987 PÁG. 415
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 269 ARTIGO 270 ARTIGO 271 ARTIGO 285-A ARTIGO 390 N2.
CONST82 ARTIGO 27 N3 E ARTIGO 28 N2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RC PROC1262/32506 DE 1984/07/05.
ACÓRDÃO RC PROC1358/32935 DE 1984/11/21.
Sumário :
De acordo com o n. 2 do artigo 390 do Codigo de Processo Penal, no despacho a designar dia para julgamento por crime a que corresponda pena de prisão ate um ano, deve o juiz determinar que o arguido fique a disposição do tribunal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em sessão plenaria, no Supremo Tribunal de Justiça:

O Excelentissimo Procurador da Republica junto da Relação de Coimbra recorreu extraordinariamente para este Supremo Tribunal do Acordão daquela Relação de 21 de Novembro de Novembro de 1984, a fim de, em tribunal pleno, se fixar jurisprudencia, porquanto, segundo alega existe oposição entre o dito acordão e o da mesma Relação de 5 de Julho do mesmo ano, sendo que decidiram contraditoriamente, no dominio da mesma legislação, a mesma questão de direito - a questão de saber se, no despacho em que, nos termos do artigo 390 do Codigo de Processo Penal (CPP), designa dia para julgamento por crime a que corresponde prisão ate um ano, o juiz deve fixar as medidas de liberdade provisoria que ao caso caibam.

Por acordão proferido a folhas 19 decidiu-se que, de facto, existe a invocada oposição de acordãos.


O Excelentissimo Procurador-Geral-Adjunto em exercicio na Secção Criminal deste Supremo Tribunal alegou atempadamente.


Na sua douta alegação o ilustre magistrado perfilha a doutrina do acordão recorrido e, consequentemente, propõe que seja formulado o seguinte Assento:


De acordo com o n. 2 do artigo 390 do Codigo de Processo Penal, designado dia para julgamento do arguido por crime a que corresponda pena de prisão ate um ano, deve o juiz ordenar, desde logo, as medidas preventivas que a lei determinar para o caso, sendo a primeira e mais simples a de liberdade provisoria sem caução, preenchida com a obrigação, para o acusado, de permanecer a disposição do tribunal apos a adequada notificação, com a cominação de que a injustificada não comparencia enformara o crime do artigo 285-A do mesmo diploma.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.


I - Por acordão proferido a folhas 19, a Secção Criminal deste Supremo Tribunal decidiu que existe oposição entre os Acordãos da Relação de Coimbra de 5 de Julho de 1984 e 21 de Novembro do mesmo ano.
Como se sabe, a decisão da Secção sobre a questão preliminar não vincula o tribunal pleno (artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil).
Porem, no caso sub judice, tal decisão merece acatamento, uma vez que, sem duvida alguma, se verifica a alegada oposição de acordãos.
Com efeito, o Acordão de 5 de Julho de 1984 decidiu que "o despacho a designar dia para julgamento dos arguidos simultaneamente os submete a [...] medida cautelar mais simples", mas de forma implicita, enquanto o acordão recorrido julgou que, no despacho a designar dia para julgamento, o juiz deve ordenar as medidas preventivas que ao caso couberem, "sendo a primeira e mais simples a de liberdade provisoria, ou seja, a advertencia de que, a partir daquele momento, fica a disposição do tribunal".
Dai que passemos de imediato ao conhecimento do merito.
II - Dispõe o artigo 269 do Codigo de Processo Penal:


Os arguidos devem permanecer a disposição do tribunal apos o despacho de pronuncia ou o que designar dia para julgamento, podendo o juiz impor-lhes as seguintes obrigações:


1 - Declarar a sua residencia;


2 - Comparecer em juizo, quando a lei o exija ou quando sejam devidamente notificados por ordem do juiz competente;
3 - Não cometer novas infracções nem estorvar a acção da justiça.
Por sua vez, o artigo 271 do mesmo Codigo estabelece que "ficam em liberdade provisoria mediante caução os arguidos por crime a que corresponda pena de prisão por mais de um ano".
Daqui se conclui necessariamente que, tratando-se de crime a que corresponda pena de prisão ate um ano, o arguido fica em liberdade provisoria sem caução apos o despacho a designar dia para julgamento.
III - A liberdade provisoria pressupõe antes de mais, a obrigação de permanecer a disposição do tribunal (artigo 269).


Trata-se de uma medida restritiva da liberdade do arguido, medida consagrada constitucionalmente

.
Com efeito, a alinea e) do n. 3 do artigo 27 da Constituição, ao autorizar a mera detenção "para assegurar a comparencia perante a autoridade judicial competente", implicitamente admite a privação parcial da liberdade em que se traduz o dever de comparencia.


Mais: as medidas de liberdade provisorias estão expressamente autorizadas no artigo 28, n. 2, da Constituição.


Resta saber se, designado dia para julgamento por crime a que corresponda pena de prisão ate um ano, o arguido fica automaticamente sujeito a obrigação de permanecer a disposição do tribunal, ou se, pelo contrario, o juiz tem de ordenar a medida de liberdade provisoria em questão.
IV - Sustenta-se no Acordão de 5 de Julho de 1984 que "a designação de dia para julgamento significa simultaneamente que ao arguido se aplicou a mais simples das medidas cautelares entre as previstas no processo penal".
Se os arguidos - diz-se ai - devem permanecer a disposição do tribunal apos o despacho que designar dia para julgamento, "isto razoavelmente tende a significar que o acto judicial nuclear (concordar com a base indiciaria e a qualificação sugerida pelo Ministerio Publico - designar dia para julgamento, mandar notificar esse despacho ao arguido) desde logo transporta, em casos como o vertente (pena de prisão ate um ano), a obrigação de o A e a B permanecerem a disposição do Tribunal de Albergaria-a-Velha".
Sera aceitavel este entendimento?


Cremos que não. O artigo 269 do Codigo de Processo Penal diz, realmente, que "os arguidos devem permanecer a disposição do tribunal apos o despacho de pronuncia ou o que designar dia para julgamento", mas dai não se segue que o juiz esteja dispensado de decretar essa medida.
V - Preceitua o artigo 390, n. 2, do Codigo de Processo Penal:
Quando os resultados do inquerito preliminar ou da instrução permitam concluir que a responsabilidade do arguido por um crime se mostra suficientemente indiciada, designar-se-a dia para julgamento, ordenando-se desde logo as medidas preventivas que a lei determinar para o caso.


Ora, tratando-se de crime a que corresponda pena de prisão ate um ano, o juiz decretara a medida de liberdade provisoria, podendo impor ao arguido alguma ou algumas das obrigações previstas nos artigos 269 e 270 do mencionado Codigo.


VI - Ha quem entenda que "a expressão medidas preventivas tem um conteudo e objectivo precisos, que se não confundem com os do instituto da liberdade provisoria: ali ha um somatorio de medidas que visam a defesa da liberdade individual e aqui existe um conjunto de obrigações que levam a restrição da liberdade individual" (Carlos Codeço, Dos Inqueritos Preliminares, pagina 41).


Esta opinião e indefensavel.


De facto, existem "medidas preventivas, destinadas, ja não a restituir a situação de liberdade os detidos ilegalmente (como o habeas corpus), mas a evitar a propria prisão" (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, 2 volume, pagina 464)

.
Uma dessas medidas e o direito de resistencia, reconhecido

constitucionalmente (artigo 21 da Constituição).

Mas, como e obvio, o artigo 390 não se refere a tais medidas.
Numa fase processual em que "a responsabilidade do arguido se mostra suficientemente indiciada", o legislador so podia ter em vista as medidas preventivas ou (mais ou menos) restritivas da liberdade individual.
VII - Nem se diga que o decretamento da liberdade provisoria so e obrigatorio quando o juiz decida impor ao arguido qualquer das obrigações dos artigos 269 e 270 do Codigo de Processo Penal.
A lei não faz distinções: com tais obrigações ou sem elas, o juiz tera sempre de colocar o arguido em situação de liberdade provisoria, se for esse o caso, impondo-lhe, assim, a obrigação de permanecer a disposição do tribunal.


[Note-se, todavia que, como bem observa o acordão recorrido, so excepcionalmente o juiz devera deixar de impor a obrigação de o arguido declarar a sua residencia (termo de identidade ou residencia)].
VIII - Nem se compreenderia que assim não fosse.


Perante o incumprimento da obrigação de comparecer em juizo, pode o juiz lançar mão de medidas coactivas.


Como vimos, a propria Constituição autoriza a detenção do arguido "para assegurar a comparencia perante a autoridade judicial competente" [alinea e) do n. 3 do artigo 27].


E, pois, natural que a medida de liberdade provisoria - mesmo na sua forma mais simples - tenha de ser decretada no despacho que designa dia para julgamento.


IX - Por outro lado, se o arguido em liberdade provisoria, com ou sem caução, deixar de comparecer em juizo quando devidamente notificado, comete o crime do artigo 285-A do Codigo de Processo Penal, sendo elemento tipico deste crime o facto de o agente se encontrar em liberdade provisoria.


O que acentua a necessidade de o juiz ordenar a medida de liberdade provisoria - mesmo na sua forma mais simples, isto e, sem imposição de qualquer das obrigações dos artigos 269 e 270.


X - Em conclusão: pelo simples facto de se proferir despacho a designar dia para julgamento, o arguido não fica automaticamente obrigado a permanecer a disposição do tribunal: esta obrigação tem de lhe ser imposta pelo juiz, mediante o decretamento da medida de liberdade provisoria.
XI - Nestes termos, formula-se o Assento seguinte:


De acordo com o n. 2 do artigo 390 do Codigo de Processo Penal no despacho a designar dia para julgamento por crime a que corresponda pena de prisão ate um ano deve o juiz determinar que o arguido ficou a disposição do tribunal.


Não e devido imposto de justiça.


Lisboa, 25 de Fevereiro de 1987



Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Silvino Alberto Villa-Nova - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Antonio Judice Magalhães Barros Baião - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Americo Goes Pinheiro - Aurelio Pires Fernandes Vieira - Frederico Carvalho de Almeida Baptista - Julio Carlos Gomes dos Santos - Jose Alfredo Soares Manso Preto

- Fernando Pinto Gomes - Manuel Augusto Gama Prazeres - Claudio Cesar Veiga da Gama Vieira - João Alcides de Almeida - Manuel Alves Peixoto - João de Deus Pinheiro Farinha - Jose Fernando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Cesario Dias Alves - Mario Sereno Cura Mariano - Tinoco de Almeida (com a seguinte declaração: achei preferivel, por mais esclarecedora, a seguinte redacção: "De acordo com o n. 2 do artigo 390 do Codigo de Processo Civil - como e obvio, ainda vigente -, no despacho a designar dia para julgamento por crime a que corresponda pena de prisão ate um ano deve o juiz determinar que o arguido fique em liberdade provisoria, com expressa menção de qual, ou quais das obrigações por ele a cumprir, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 269 do Codigo referido")

- Antonio Pereira de Miranda (vencido por entender que o despacho de recebimento de acusação e designativo do julgamento implica ficar o arguido a disposição do tribunal e em liberdade provisoria na modalidade mais simples) - Antonio de Almeida Simões (Vencido. Votei que se firmasse assento de harmonia com o Acordão de 5 de Julho de 1984, pois continuo a entender que uma das obrigações do arguido, por crime punivel com prisão ate um ano e a de permanecer a disposição do tribunal pelo simples facto de lhe ser notificado o despacho a designar dia para o julgamento).