Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
000067
Nº Convencional: JSTJ00001175
Relator: LICINIO CASEIRO
Descritores: AUTO DE NOTÍCIA
FÉ EM JUÍZO
PRESENCIALIDADE
AUTUANTE
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198505030000674
Data do Acordão: 03-05-1985
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1985/06/29, PÁG. 1765 A 1768 - BMJ Nº 347 ANO 1985 PÁG. 85
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC FIXAÇÃO JURIS.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: P PGR N61/79 DE 1979/05/03 IN BMJ N292 PAG130. P PGR N38/80 DE 1980/12/04 IN BTE N67 PAG406. ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL. DIR PROC TRAB - DIR PROC PENAL LAB.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 166 ARTIGO 169 PAR2 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 651 ARTIGO 666 ARTIGO 669.
CPC67 ARTIGO 763 N2 ARTIGO 766 N1 N3.
DL 48/78 DE 1978/03/21 ARTIGO 25 N1 N2 N3.
RCR 292/80 DE 1980/08/06 IN DR N191 1980/08/20.
DL 327/83 DE 1983/07/08 ARTIGO 5 ARTIGO 29.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO CC 219/80 DE 1980/06/03 IN BMJ N298 PAG95.
ACÓRDÃO CC 228/80 PROC52 DE 1980/06/24.
ACÓRDÃO CC 229/80 PROC44 DE 1980/07/17.
ACÓRDÃO STJ DE 1983/02/10 IN BMJ N324 PAG468.
ACÓRDÃO STJ DE 1983/10/28 IN BMJ N330 PAG441.
ACÓRDÃO CC 168 IN BMJ N291 PAG341.
ACÓRDÃO RL PROC3337 DE 1983/05/09.
ACÓRDÃO RP PROC1801 DE 1983/01/17.
Sumário :
Na vigencia do Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, para um auto fazer fe em juizo, nos termos dos artigos 166 e 169, paragrafo 2, do Codigo de Processo Penal, bastara ja que os factos tivessem sido pessoal e directamente presenciados pelo autuante, ainda que não de forma imediata.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:

O Excelentissimo Representante do Ministerio Publico junto do Tribunal da Relação de Lisboa, invocando o disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, interpos recurso extraordinario para o tribunal pleno do acordão daquela Relação de 9 de Maio de 1983, processo n. 3337, por estar em oposição, quanto a mesma questão de direito, com o acordão da Relação do Porto de 17 de Janeiro de 1983, processo n. 1801, pois, segundo afirma, o primeiro decidiu que "a presencialidade se entende com comprovação pessoal e directa, ainda que não imediata, por forma a abranger as situações em que não e possivel uma percepção sensorial contemporanea dos factos e, nesse caso, e suficiente uma constatação directa dos elementos constitutivos da infracção, o que pode fazer-se atraves do exame da escrita ou de simples documento", enquanto o segundo decidiu no sentido oposto, ou seja, que "por facto presencial somente se entende o que resulta da percepção directa e objectiva dos sentidos, acrescentando que, - deste conceito, se exclui tudo o que represente o produto de elaboração mental ou de juizo de valor do autuante".
Por acordão da Secção, proferido nos termos e para os efeitos do n. 1 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, foi reconhecida a oposição e ordenado o prosseguimento do recurso que se encontra devidamente alegado, tendo o Excelentissimo Procurador-Geral-Adjunto emitido douto parecer, onde conclui pela proposta de assento nos seguintes termos:
"A exigencia da presencialidade decorrente das conjugadas disposições dos artigos 166 e 169, paragrafo 2, do Codigo de Processo Penal, e 25, n. 1, do Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, este integrado pela Resolução do Conselho da Revolução n. 292/80 (Diario da Republica, I Serie, n. 191, de 20 de Agosto de 1980), deve ser interpretada em sentido lato, que a faça coincidir com a verificação ou comprovação da infracção, pessoal e directa, ainda que por forma não imediata".
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
A Secção Social deste Supremo Tribunal, no seu acordão de folhas 33 e seguintes, decidiu que se verificava a alegada oposição, pelo que mandou prosseguir o recurso.
Porem, esta decisão não vincula o Tribunal Pleno (artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil).
Dai que comecemos por nos pronunciar sobre a oposição invocada.
Ora, a oposição entre os apontados arestos e manifesta.
Com efeito: a) No acordão de 17 de Janeiro de 1983 decidiu-se que "por facto presencial somente se entende o que resulta da percepção directa e objectiva dos sentidos", acrescentando que "deste conceito se exclui tudo o que representa o produto de elaboração mental ou de juizo de valor do autuante"; enquanto b) No acordão recorrido de 9 de Maio de 1983 se acolheu a tese de que "a presencialidade se entende como comprovação pessoal e directa, ainda que não imediata, por forma a abranger as situações em que não e possivel uma percepção sensorial contemporanea dos factos e, neste caso, e suficiente uma constatação directa dos elementos constitutivos da infracção, o que pode fazer-se atraves do exame da escrita ou de simples documento".
A oposição ha-de verificar-se no dominio da mesma legislação. E os acordãos consideram-se proferidos no dominio da mesma legislação sempre que durante o intervalo da sua publicação não tenha sido introduzida qualquer modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida - n. 2 do artigo 763 do Codigo de Processo Civil.
Ora, como inequivocamente resulta dos autos, os apontados arestos arrancaram das mesmas previsões legislativas - disposições conjugadas dos artigos 166 do Codigo de Processo Penal e 25, ns. 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, esta integrada pela Resolução n. 292/80, do Conselho da Revolução (Diario da Republica, I Serie, n. 191, de 20 de Agosto de 1980).
E, pois, evidente, face aos apontados acordãos, a existencia de oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo certo tambem que os arestos em causa foram proferidos no dominio da mesma legislação, com identico suporte factual substancial, tendo apesar disso alcançado conclusões opostas.
Os acordãos em oposição foram proferidos em processos distintos, tendo o de 17 de Janeiro da Relação do Porto transitado em julgado - artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal, aplicavel subsidiariamente; e o Ministerio Publico tem legitimidade
- o que manifestamente preenche as exigencias legais formais do recurso para o Tribunal Pleno.
Conclui-se pelo exame do processo que as situações de facto são identicas, havendo nos dois casos expressa apreciação da mesma questão fundamental de direito, pelo que entre aqueles julgados existe oposição reveladora de conflito jurisprudencial que fundamenta recurso para o Tribunal Pleno.
Estão, assim, preenchidos os requisitos legais exigidos pelo artigo 763 do Codigo de Processo Civil para que se possa conhecer do obejcto do recurso.
Em face do que se deixou referido, verifica-se que o objecto do recurso consiste na definição juridica do conceito de presencialidade decorrente das disposições conjugadas dos artigos 166 do Codigo de Processo Penal e 25, ns. 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, este, como ja se disse, integrado pela Resolução n. 292/80, do Conselho da Revolução (Diario da Republica, 1 Serie, n. 191, de 20 de Agosto de 1980).
Antes, porem, de se entrar no conhecimento do fundo da questão, cumpre apreciar e decidir a questão preliminar posta pelo Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico nas suas doutas alegações de folhas 39 e seguintes, e que a proceder torna inutil o prosseguimento do presente recurso.
Referimo-nos a publicação do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho - Decreto-Lei n. 327/83, de 8 de Julho, que revogou o Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março (artigo 5), e estatui no seu artigo 29: "O pessoal de inspecção levantara o respectivo auto de noticia quando, no exercicio das suas funções, verificar ou comprovar pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer infracção a normas sobre materia sujeita a sujeita a fiscalização da IGT [...]".
E a consagração, por via legislativa, da tese acolhida num dos acordãos em oposição - o de 9 de Maio de 1983 -, em termos tão explicitos e directos - denunciados, mesmo - que ate as palavras empregadas na lei são as mesmas daquele aresto.
Dai que, desde ja, se possa pensar que, satisfeita por via legislativa a finalidade que este recurso extraordinario se propõe alcançar - a uniformização de jurisprudencia -, fica o mesmo esvaziado de sentido e de objecto, tornando-se, assim, inutil o seu prosseguimento.
Com efeito, recorrendo embora dentro do prazo do artigo 651 do Codigo de Processo Penal, diz o Ministerio Publico no requerimento de folhas 32 que, não obstante concordar com o aresto proferido a folhas 27, ou seja, o acordão recorrido de 9 de Maio de 1983, dele vem interpor recurso extraordinario para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, a fim de se fixar a jurisprudencia sobre a materia nele tratada.
Preceitua o citado artigo 669 do falado Codigo de Processo Penal que: "Se qualquer Relação proferir um acordão que esteja em oposição com outro dessa ou de diversa Relação sobre a mesma materia de direito, e dele não puder interpor-se recurso ordinario para o Supremo Tribunal de Justiça, devera o Procurador da Republica junto de qualquer delas, oficiosamente ou a requerimento da acusação ou da defesa, recorrer extraordinariamente para o STJ, a fim de se fixar a jurisprudencia".
O presente recurso destina-se apenas a fixar a jurisprudencia sobre a materia tratada no referenciado acordão proferido a folhas 27.
Quanto ao fundo:
Vem o presente recurso interposto nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, ou seja, para fixação de jurisprudencia dos doutos acordãos (da Relação do Porto, de 17 de Janeiro de 1983, processo n. 1801, e da Relação de Lisboa, de 9 de Maio de 1983, processo n. 3337), os quais, no dominio da mesma legislação, sem admissibilidade de recurso ordinario para o Supremo Tribunal de Justiça, decidiram por forma oposta a mesma questão de direito, qual seja, a da definição juridica do conceito de presencialidade, decorrente das disposições conjugadas dos artigos 166 do Codigo de Processo Penal e 25, ns. 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, este integrado pela Resolução n. 292/80 do Conselho da Revolução (Diario da Republica, 1 Serie, n. 191, de 20 de Agosto de 1980).
Para que o auto de noticia faça fe em juizo exigem aqueles preceitos legais a presencialidade da infracção por parte do agente autuante.
E a discussão centra-se, precisamente, em saber se fica preenchido este requisito legal quando a comprovação da infracção, embora pessoal e directa, não é imediata, imediata, por não ser, ou não ser ja possivel uma percepção sensorial contemporanea dos factos.
E foi esta questão que os mencionados arestos decidiram por forma divergente.
Assim:
O acordão da Relação do Porto, de 17 de Janeiro de 1983, decidiu que "por facto presencial somente se entende o que resulta da percepção directa e objectiva dos sentidos", acrescentando que "deste conceito se exclui tudo o que representa o produto de elaboração mental ou de juizo de valor do autuante"; enquanto:
O acordão da Relação do Porto, de 17 de Janeiro de 1983, acolheu a tese de que "a presencialidade se entende como comprovação pessoal e directa, ainda que não imediata, por forma a abranger as situações em que não e possivel uma percepção sensorial contemporanea dos factos e, nesse caso, e suficiente uma constatação directa dos elementos constitutivos da infracção, o que pode fazer-se atraves de exame da escrita ou de simples documento.
Prescreve o artigo 25, n. 1, do Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, que "verificadas por qualquer forma infracções a normas cuja fiscalização incumba a Inspecção do Trabalho, devem os funcionarios competentes levantar os respectivos autos de noticia".

Vejamos, antes de mais, a vasta elaboração jurisprudencial e doutrinal pertinente ao problema a decidir.
O Acordão n. 219 da Comissão Constitucional, de 3 de Junho de 1980, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 298, pagina 95 (confere ainda os ns. 228 e 229, de 24 de Junho e de 17 de Julho, nos recursos ns. 52 e 44, de 1980), depois de escrever, a pagina 101:
"Exigindo o Codigo de Processo Penal no seu artigo 169, paragrafo 2, a presencialidade dos factos constantes do auto por parte da autoridade, agente ou funcionario, ter-se-a receado que em direito de trabalho uma tal exigencia deixasse de fora do ambito do auto de noticia uma boa parte das infracções que a Inspecção cumpre detectar, maxime, tudo o que se relacionasse com as remunerações dos trabalhadores e que, podendo ser documentalmente comprovado, não seria, todavia, por sua propria natureza, susceptivel de comprovação presencial".
E a pagina 103, conclui: "Urge acentuar, por um lado, que não custa admitir - quando, como se deve, se conexione a razão de ser do privilegiamento do auto de noticia com o especial valor probatorio que lhe e atribuido - a possibilidade de uma interpretação lata ou extensiva da exigencia da presencialidade, que a faça coincidir com toda a comprovação pessoal e directa, se bem que não imediata".
O acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1983, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 324, pagina 468 (confere tambem o de 28 de Outubro de 1983, no recurso n. 63, 4 Secção, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 330, pagina 441) decidiu no sentido de que "o artigo 25, n. 1, do Regulamento da Inspecção do Trabalho, constante do Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, permite a verificação da infracção por qualquer forma e, portanto, independentemente da presencialidade da comprovação, quando não tenha por objecto factos materiais, sensorialmente perceptiveis, e possa ser feita uma constatação directa, embora não contemporanea, dos elementos constitutivos da infracção atraves, por exemplo, de exame documental".
No parecer da Procuradoria-Geral da Republica n. 61/79, de 3 de Maio, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 292, pagina 130, escreve-se:
"A finalidade da disposição (artigo 166 do Codigo de Processo Penal) e facilitar o procedimento nos casos em que a presença da autoridade, do agente da autoridade ou do funcionario publico assegura a idoneidade e a especial credibilidade da percepção".
Entende-se que o termo presenciar esta aqui utilizado em sentido normativo e não psicologico, o que permite aplica-lo a situações em que não e possivel uma percepção sensorial contemporanea dos factos [...] A constatação directa dos elementos constitutivos da infracção, nomeadamente atraves de exame documental, deve, neste caso considerar-se bastante para justificar a iniciativa do procedimento.
Pela Resolução n. 292/80, de 6 de Agosto, publicada no Diario da Republica, 1 Serie, n. 191, de 20 do mesmo mes, o Conselho da Revolução declarou, com força obrigatoria geral, a inconstitucionalidade, por violação do n. 2 do artigo 32 da Constituição e do principio da presunção de inocencia nele consignado, do citado artigo 25, n. 1, do Decreto-Lei 48/78, na parte em que admite a verificação das infracções por "qualquer forma" e, portanto, independentemente da presencialidade da comprovação.
Pronunciando-se a Procuradoria-Geral da Republica sobre o sentido e alcance a atribuir aquela declaração de inconstitucionalidade, emitiu o parecer n. 38/80, de 4 de Dezembro, no Boletim do Trabalho e Emprego, n. 67, pagina 406, segundo o qual "a Resolução n. 292/80, do Conselho da Revolução [...] ao declarar a inconstitucionalidade do n. 1 do artigo 25 do Regulamento da Inspecção do Trabalho na parte em que se admite a verificação por qualquer forma, deve ser interpretada como significando que tal disposição legal e invalida quando permite a verificação ou comprovação das infracções por forma que não preencha cumulativamente as seguintes condições: a) Ter por objecto factos materiais sensorialmente perceptiveis, e não tambem juizos de valor, proposições conclusivas; b) Ser feita presencialmente pela autoridade ou agente da autoridade, entendendo-se esta presencialidade como toda a comprovação pessoal e directa, ainda que não imediata, por forma a abranger as situações em que não e possivel uma percepção sensorial, contemporanea dos factos, casos em que e suficiente uma constatação directa dos elementos constitutivos da infracção (v.g., atraves de exame documental)".
Assim, so os autos de noticia levantados pela Inspecção do Trabalho e cuja forma de verificação obedeça aos requisitos enumerados nas duas alineas atras referidas gozavam da fe em juizo ate prova em contrario, nos termos do n. 3 do artigo 25 do Regulamento daquela Inspecção.
Perante esta interpretação do principio consagrado pela Resolução n. 292/80, do Conselho da Revolução, forçoso e reconhecer ao auto levantado a folhas 6 do processo o requisito da presencialidade que condiciona a fe em juízo.
Como se escreveu no acordão da Relação de Lisboa de 8 de Novembro de 1982, confirmado por acordão deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1983, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 330, paginas 441 e seguintes:
"Os documentos retratam factos e, por isso, o seu exame coloca o agente perante eles, dai resultando a sua percepção e comprovação pessoal e directa, ainda que somente mediata".
E este, pois, o entendimento da presencialidade que vem sendo feito pela mais autorizada doutrina e jurisprudencia, desde a Comissão Constitucional (confere os acordãos ns. 168 e 219, respectivamente no Boletim do Ministerio da Justiça, ns. 291, pagina 341, e 298, pagina 95) ate ao Supremo Tribunal de Justiça (confere acordão de 10 de Fevereiro de 1983, recurso n.
58, 4 Secção), passando pela Procuradoria-Geral da Republica (citado Parecer n. 38/80, de 4 de Dezembro).
Não se encontrando argumentos minimamente validos, susceptiveis de destruir esta tese, parece dever aceitar-se o entendimento de que o conceito de presencialidade, não dispensando a comprovação pessoal e directa, se basta com a comprovação mediata, maxime, atraves do exame de documentos.
Como ja se disse, sobreveio uma alteração legislativa com a publicação do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho, ou seja, do Decreto-Lei n. 327/83, de 8 de Julho, que revogou o Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, artigo 5, e estatui no seu artigo 29:" O pessoal de inspecção levantara o respectivo auto de noticia quando, no exercicio das suas funções, verificar ou comprovar pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer infracção a normas sobre materia sujeita a fiscalização da
IGT [...]".
Da leitura deste preceito logo se ve que o legislador adoptou uma interpretação lata ou extensiva do conceito de presencialidade, por forma a abranger toda a comprovação pessoal e directa, se bem que não imediata.
E uma tal posição do legislador não pode deixar de ser entendida como a expressão do sentido que ja devia corresponder-lhe no dominio da legislação anterior, ou seja, das combinadas disposições dos artigos 166 e 169, paragrafo 2, do Codigo de Processo Penal e 25, n. 1, do Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, este integrado pela Resolução n. 292/80, do Conselho da Revolução.
Na verdade, e como ja se disse, mais não e do que a consagração, por via legislativa, da tese acolhida no acordão recorrido - o de 9 de Maio de 1983 - alias, a dominante, em termos tão explicitos e directos, que ate as palavras empregadas na lei são as mesmas daquele aresto.
De resto, percorrida a jurisprudencia e a doutrina nacional e estrangeira mais significativas (Luis Osorio, Notas ao Codigo Penal Portugues, pagina 383; Beleza dos Santos, Lições [...], 1955, pagina 20; Levy Maria Jordão,
Comentario ao Codigo Penal Portugues, volume I, pagina 11; Chauveau e Helie, Theorie du Code Penal, volume I, pagina 30), parece clara a fonte de inspiração do citado artigo 29 do Decreto-Lei n. 327/83, que, assim, não fez mais do que dar assento legal a tese ja largamente dominante.
Por todo o exposto, e sem necessidade de mais considerações, acorda-se, em Tribunal Pleno, em decidir o conflito de jurisprudencia suscitado, sem custas, mediante a formulação do seguinte assento:
"Na vigencia do Decreto-Lei n. 48/78, de 21 de Março, para um auto fazer fe em juizo, nos termos dos artigos 166 e 169, paragrafo 2, do Codigo de Processo Penal, bastava que os factos tivessem sido pesssoal e directamente presenciados pelo autuante, ainda que não de forma imediata".

Lisboa, 3 de Maio de 1985


Licinio Adalberto Caseiro - Miguel Caeiro - Dias da Fonseca - Leite de Campos.
Tem o voto de conformidade dos Excelentissimos Conselheiros Alves Cortez, Corte-Real, Moreira da Silva,
Solano Viana, Joaquim Figueiredo, Vasconcelos de Carvalho, Luis Pereira, Campos Costa, Amaral Aguiar,
Santos Carvalho, Lima Cluny, Lopes Neves, Antero Pereira Leitão, Barros Baião, Almeida Ribeiro, Senra Malgueiro,
Tinoco de Almeida, Belarmino Costa Cerqueira, Gois Pinheiro e Aurelio Fernandes, que não assinam por não se encontrarem presentes.
Esta conforme.