Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
036638
Nº Convencional: JSTJ00007144
Relator: QUESADA PASTOR
Descritores: PERDÃO
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
REINCIDENCIA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198402220366383
Data do Acordão: 22-02-1984
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DR I S 1984-04-19, PÁG. 1301 A 1303 - BMJ Nº 334 ANO 1984 PÁG. 215
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC TRIB PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 768 N1.
L 3/81 DE 1981/03/13 ARTIGO 2 ARTIGO 4 A B.
CP886 ARTIGO 100 ARTIGO 102 PAR2.
CP82 ARTIGO 77.
DL 259/74 DE 1974/07/15 ARTIGO 1 N2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC36477 DE 1982/02/03.
ACÓRDÃO STJ DE 1981/07/28 IN BMJ N309 PAG229.
ASSENTO STJ DE 1983/10/10 IN DR IS 260 1983/11/11.
ACÓRDÃO STJ PROC36685 DE 1982/07/08.
Sumário :
Se, num concurso real de infracções o reu so em relação a alguma ou algumas delas for especificamente reincidentes, nem por isso ficara privado, quanto as outras, do perdão que lhe caiba face a Lei n. 3/81, de 13 Março.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico junto da Secção Criminal recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenario, do Acordão de 3 de Fevereiro de 1982 exarado no processo n. 36477, e junto por fotocopia a folhas 7 e seguintes, com o fundamento de haver oposição entre ele e o acordão tambem deste Supremo Tribunal proferido no processo n. 36322, em 28 de Julho de 1981, e publicado no Boletim do Ministerio da Justiça n. 309, a paginas 229 e seguintes.
Na apreciação da questão preliminar a que alude o artigo 768, n. 1, do Codigo de Processo Civil ficou julgado existir entre os 2 acordãos indicados a oposição que serve de fundamento ao recurso, ordenando-se em conformidade o prosseguimento dos respectivos termos.
So o Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico recorrente alegou quanto ao fundo da questão, expressando o parecer de que no caso ocorre, na verdade, o conflito de jurisprudencia invocado, e propondo a sua resolução nos termos do acordão recorrido.
O processo tem os vistos legais. Cumpre decidir.
II - Reexaminada, como a lei prescreve, a questão preliminar da oposição dos acordãos invocados, novamente se verifica que estes constam de processos diferentes, e que so o mais antigo transitou em julgado.
Igualmente se verifica que ambos foram proferidos no dominio da mesma legislação, no caso a Lei n. 3/81, de 13 de Março, e que as situações de facto condicionantes da aplicação da lei eram identicas: imposição aos reus condenados, em razão de um concurso real de infracções, de varias penas parcelares e de uma pena unica expressando o respectivo cumulo juridico - sendo, porem, certo que se comprovava em relação a alguns dos crimes cometidos a circunstancia agravante da reincidencia.
Verifica-se, enfim, que nos dois acordãos se decidiu a mesma questão fundamental de direito [a interpretação do artigo 4, alinea a), da Lei n. 3/81, de 13 de Março] de modo diverso: enquanto num se julgou que a reincidencia em algum ou alguns dos crimes em concurso afastaria desde logo a possibilidade de o condenado beneficiar do perdão previsto no preceito citado, no outro julgou-se que a reincidencia nas referidas circunstancias não afastaria a possibilidade do mesmo perdão, devendo a pena unica aplicavel traduzir o beneficio do perdão nos crimes em que aquela se não demonstrava.
Ha, pois, razões para decidir, como no acordão preliminar de folhas 28 e 29, que existe entre os 2 acordãos em apreço a oposição que serve de fundamento ao recurso para o tribunal pleno. E que este deve, nessa conformidade, proferir assento a fixar jurisprudencia.
III - A questão de direito a resolver centra-se, como ha pouco se disse, na interpretação do artigo 4, alinea a), da Lei n. 3/81, e visa definir qual a incidencia do perdão prescrito na mesma lei num concurso de infracções, quando ocorra a reincidencia em algumas destas.
Tambem ja se disse em que termos se fixou a disparidade das soluções dos acordãos em oposição.
IV - O texto interpretando e o seguinte:
Não beneficiam do perdão prescrito no artigo 2: a) Os reincidentes; b) Os delinquentes habituais ou por tendencia; c) Os delinquentes que, tendo beneficiado do perdão concedido pelo Decreto-Lei n. 259/74, de 15 de Julho, perderam esse beneficio, nos termos do n. 2 do artigo 1 desse diploma; d) Os condenados por crimes essencialmente militares.
Cuidar-se-a aqui tão-somente de estudar o sentido da alinea a) transcrita, afinal a que esta em causa, mas não sem antes observar que a resolução da questão submetida era, no momento da interposição deste recurso, condicionada pela resolução do problema de saber qual a incidencia, em geral, do perdão da Lei n. 3/81, no caso de concurso de infracções.
Esta ja hoje, porem, fixado que "no caso de concurso real de infracções, em que, nos termos do artigo 102 do Codigo Penal de 1986, tem de aplicar-se ao reu uma pena unica, e sobre esta, e não sobre as penas parcelares que o paragrafo 2 do mesmo artigo manda tambem indicar, que deve incidir o perdão prescrito pelo artigo 2 da Lei n. 3/81, de 13 de Março" (Assento do Supremo Tribunal de Justiça n. 5 de 10 de Outubro de 1983, publicado no Diario da Republica, I serie, de 11 de Novembro do mesmo ano).
V - Arredada, assim, a questão condicionante, e postulado o entendimento que se expressou, cumpre, ao abordar o tema especifico do presente recurso, registar que a solução perfilhada no acordão recorrido tem sido, desde a data deste, a reiteradamente seguida neste Supremo Tribunal.
Ela e, na verdade, a mais harmonica com os principios que dominam o instituto da reincidencia, com os termos da lei e tambem com a logica do sistema legal em que a questão se assume.
VI - Considerando este ultimo vector, o que logo se oferece ponderar e o absurdo que seria se a lei geral imputasse a toda a pena unitaria de um concurso de infracções a agravação da reincidencia prevista no artigo 100 do codigo de 1886 ou no artigo 77 do actual e referida apenas a um dos crimes do concurso. Ver na Lei n. 3/81 um pensamento legislativo semelhante, não seria menor absurdo.
Pense-se, tambem, e por outro lado, como seria iniquo recusar qualquer perdão a uma pesada pena unitaria de um concurso de infracções, somente por se verificar a reincidencia numa infracção de pequena gravidade, levemente punida e de quase nula influencia no cumulo juridico formado.
Sempre, como a propria lei ensina, o interprete devera presumir que o legislador quis consagrar a solução mais acertada. Nas duvidas, pois, que a Lei n. 3/81 possa suscitar, nunca a presunção seria no sentido absurdo ou iniquo que se apontou, mas, naturalmente, no inverso.
VII - A consideração dos termos da norma interpretativa e dos principios que dominam o instituto de reincidencia confirmam seguramente o entendimento que se viu ser presumivel e harmonico com a logica do sistema legal.
Sabe-se que a reincidencia era considerada na epoca da publicação da Lei n. 3/81, e ainda hoje o e, uma circunstancia ligada a maior culpa do agente evidenciado no seu desrespeito a solene advertencia contida na sentença anterior (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Codigo Penal - Parte Geral, volume II, pagina 143). Dai a cominação, que justifica, de uma reacção criminal mais severa.
A reincidencia era, porem, e ainda e, sempre referida ao cometimento de um facto criminoso e a certas circunstancias deste, e não a personalidade do delinquente (conforme actas citadas, pagina 147).
Ela não define, portanto, como e comummente sabido, uma categoria de criminalidade ou um tipo legal de delinquente.
Se ela constituisse tal categoria ou tipo legal, necessariamente que a sua menção no preceito interpretando importaria a impossibilidade generica da concessão do perdão a um tal delinquente. Aconteceria como na alinea b) do artigo 4 em apreço, respeitante a delinquentes habituais ou por tendencia.
Porque ela não tem, porem, essa natureza, e obvio que a sua menção no texto legal so releva na exacta medida dos seus significado e alcance, e, portanto, que e apenas referida aos factos criminosos em que ocorre, ou melhor, as penas relativas a tais factos.
VIII - Não prevalece contra este entendimento a observação de que a pena unitaria e, no concurso de infracções, a pena realmente aplicada ao agente, tendo as penas parcelares apenas a natureza de informativas ou hipoteticas (conferir assento deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 1983 citado).
Não e, na verdade, adequado retirar desta realidade conceitual a conclusão de que, sendo assim, a reincidencia do agente so pode repercurtir-se na pena unitaria, ja que as outras não serão verdadeiras penas em que um perdão possa efectivar-se.
Tal raciocinio estaria viciado por equivoco nas proposições. E certo que as penas parcelares são informativas e hipoteticas, mas não são nulas, nem se excluem do mundo juridico.
E se elas são, por isso, invocaveis, como se sabe, na eventual superveniencia de uma amnistia ou de uma declaração de prescrição restritas a algum ou alguns recusar a sua valia num caso de perdão incidente so sobre alguma ou algumas delas que tenha de ser conhecido no proprio acto de julgamento.
IX - Não se cuidara aqui resolver, porque não e objecto do presente recurso nem esta em causa, como formular a pena unitaria em tal emergencia. Com frequencia, alias, neste Supremo Tribunal se tem decidido o caso nos termos que se reputam adequados (confere, por todos, o Acordão de 8 de Julho de 1982, processo n. 36685).
Nesta conformidade se decide conceder provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida e formulando-se o seguinte assento:
Se, num concurso real de infracções, o reu so em relação a alguma ou algumas delas for especificamente reincidente, nem por isso ficara privado, quanto as outras, do perdão que lhe caiba face a Lei n. 3/81, de 13 de Março.
Não e devido imposto de justiça.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 1984

Jose Fernando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Jose Luis Pereira - Manuel Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - Jose dos Santos Silveira -
- Manuel Baptista Dias da Fonseca - João Fernandes Lopes Neves - Antero Pereira Leitão - Licurgo Augusto dos Santos - Manuel Flamino dos Santos Martins - Antonio Judice de Magalhães Barros Baião - Raul Jose Dias Leite Campos - Abel Vieira Campos Carvalho Junior - Antonio Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Junior -
- Anibal Qquilino Fritz Tiedmann Ribeiro - Octavio Dias Garcia - Manuel Alves Peixoto - Ruy de Matos Corte Real - Amilcar Moreira da Silva - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Americo Fernando de Campos Costa - Silvino Alberto Villa Nova - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - João de Sa Alves Cortez - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny (votei o assento, mas com a declaração de que entendo que, ao menos virtualmente, a respectiva doutrina implica a previa aplicação do perdão as penas parcelares abrangidas, para depois se poder fazer o cumulo juridico, o que parece em contradição com o assento de 1983) - Americo Fernando de Campos Costa (vencido pelas razões constantes da anexa.

Declaração de voto.
Embora na tecnica do Codigo Penal de 1886 a reincidencia não traduza uma categoria de delinquentes, nada obsta que outras leis penais considerem os reincidentes uma categoria especial de condenados para determinados fins. E justamente o caso do artigo 4, alinea a), da Lei n. 3/81, de 13 de Março, quando não permite que os reincidentes beneficiem do perdão de pena. Alias, no vigente Codigo Penal a reincidencia não deixa de ser tambem uma circunstancia que se imputa ao agente a fim de ser agravada a pena de determinado crime (artigo 77) e, no entanto, o artigo
76 declara que "sera punido como reincidente aquele que [...]".
Ora, gramaticalmente, reincidente significa aquele que reincidiu, e, por isso, so mediante uma interpretação restritiva do artigo 4, alinea a), da Lei n. 3/81, se podera aduzir que, no caso de concurso real, o agente apenas não beneficia do perdão quanto ao crime ou crimes que foram objecto de agravação especial devido a reincidencia. Simplesmente, a interpretação restritiva apenas e permitida quando a ratio legis a tal conduza.
Ora, sendo o perdão uma medida de clemencia, reputa-se mais adequado que se não considere merecedor da medida de clemencia todo aquele que, apos haver sido condenado por sentença transitada, haja incorrido em nova condenação por um crime cometido em determinadas circunstancias. De contrario, no mesmo momento temporal, o condenado e considerado merecedor da clemencia e não o e.
E menos se justifica que, para o efeito, no caso de concurso, o condenado possa beneficiar do perdão da pena aplicada aos crimes em que não seja reincidente, porque isso contradiz a regra de o perdão da pena incidir sobre a pena unica, e não sobre as penas parcelares.