Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
036745
Nº Convencional: JSTJ00003687
Relator: PEREIRA LEITÃO
Descritores: REVELIA
CONDENAÇÃO
MANDADO DE CAPTURA
PROCESSO CORRECCIONAL
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198404100367453
Data do Acordão: 10-04-1984
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 2 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1984/04/10, PÁG. 2024 A 2026 - BMJ Nº 336 ANO 1984 PÁG. 277
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 570 ARTIGO 571 ARTIGO 646 ARTIGO 649.
CONST76 ARTIGO 26 N2 ARTIGO 27 N2.
CCIV66 ARTIGO 9 N3.
CPC67 ARTIGO 734 N2.
Sumário :
Em processo correccional deve, na sentença que imponha prisão a reu julgado a revelia, ordenar-se a sua captura, independentemente do transito em julgado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:

O Excelentissimo Procurador-Geral Adjunto Distrital junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpos o presente recurso extraordinario para o Plenario deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, visando a uniformização da jurisprudencia sobre a questão de direito que ali tem sido controversa de saber se em julgamento de processo correccional efectuado a revelia do reu, e condenado este em prisão efectiva, e licito ordenar a imediata passagem de mandados de captura ou se, antes, essa ordem so pode ser dada apos o transito em julgado da respectiva sentença.
Na verdade, segundo uma daquelas orientações - a adoptada pelo acordão de 27 de Janeiro de 1982 - "na sentença penal, proferida em processo correccional de ausente que haja condenado o reu, julgado a sua revelia, em pena de prisão correccional (efectiva) pode ser ordenada a sua captura, mesmo antes de transitada em julgado a decisão condenatoria".
E segundo a outra - perfilhada no acordão de 12 de Maio do mesmo ano - em caso de condenação em pena de prisão efectiva, em processo correccional, de um reu revel, julgado nos termos dos artigos 570 e 571, ambos do Codigo de Processo Penal, não pode ser ordenada, na sentença, a captura do dito reu, antes de a mesma transitar em julgado".
Por aplicação das disposições combinadas dos artigos 668 e seu paragrafo unico e 669 do referido Codigo e 766 e seguintes do Codigo de Processo Civil, ouviu-se o digno magistrado do Ministerio Publico nesta Secção Criminal, tendo depois sido colhidos os vistos de cada um dos juizes aqui em serviço, apos o que se veio a decidir, em acordão de 23 de Novembro de 1982, estarem verificados os pressupostos necessarios ao seu prosseguimento.
Depois disso, emitiu o mesmo magistrado seu douto parecer no sentido de que deve tirar-se assento a confirmar a orientação adoptada na primeira daquelas decisões postas em confronto, isto e, de que em tais casos pode ser ordenada a captura do reu independentemente do transito em julgado da respectiva sentença condenatoria.
Correram depois todos os vistos legais, cumprindo agora decidir.
Como nos impõe o preceituado no artigo 763, n. 3, do Codigo de Processo Civil, ha que reapreciar nesta altura a questão preliminar, porquanto aquela primeira decisão não e vinculativa.
Não oferece a menor duvida que os dois citados acordãos assentaram em soluções opostas e no dominio da mesma legislação: no mais antigo decidiu-se ser licita a ordem de captura dada na propria sentença que em processo correccional condenou o reu a sua revelia em pena de prisão: na mais recente adoptou-se a solução contraria, ou seja, a de que em tais casos aquela ordem so pode ser dada apos o transito em julgado da sentença condenatoria.
E tambem e inquestionavel que as duas decisões foram proferidas no dominio da mesma legislação.
Realmente, a solução do problema posto circunscreve-se a determinar o verdadeiro sentido das regras contidas nos artigos 450, paragrafo 4, e 571 do Codigo de Processo Penal, e 27, n. 2 e 3, 32, n. 2, e 210, n. 3, da Constituição da Republica. Os primeiros não sofreram modificação alguma no periodo que nos interessa; e os ultimos tambem não sofreram alteração pela revisão de 1982, que possa interessar directa ou indirectamente na resolução da questão agora controvertida, pois se limitou a acrescentar a expressão "ninguem pode ser privado da liberdade" as palavras "total ou parcialmente", e a acrescentar o caracter de urgencia nos julgamentos.
Esta, portanto, satisfeita a exigencia contida no artigo 763, n. 2, ja citado.
Claro e tambem que os dois acordãos foram tirados em processos diferentes: o mais antigo diz respeito ao recurso penal n. 9866, proveniente da Comarca de Oeiras, em que foi recorrente o Ministerio Publico e recorrido o reu A...; o mais recente, ao recurso penal n. 9987, proveniente da mesma comarca, interposto pelo referido magistrado contra o reu B....
Exige mais a lei (citado artigo 669) que de nenhum dos acordãos postos em confronto fosse possivel recurso ordinario para o Supremo Tribunal.
Para alem da presunção que emana do n. 4 daquele artigo 763, e de notar que qualquer deles emergiu somente da parte da sentença em que se ordenou (ou não ordenou) a passagem dos mandados de captura, nada tendo interferido com o julgamento na parte relativa a acusação que ali fora apreciada.
Podera talvez por-se em duvida a oportunidade da subida daqueles recursos interpostos em primeira instancia, uma vez que, podendo o Ministerio Publico recorrer desde logo da sentença final, com o qual subiriam os demais, o reu so o podia fazer depois de notificado da condenação. E, enquanto essa notificação se não mostrasse feita, não devia subir o recurso porventura interposto por aquele magistrado.
Mas a verdade e que o recurso, em qualquer desses processos, tratou unicamente da questão marginal da possibilidade ou impossibilidade da ordem de passagem imediata dos mandados de captura contra o reu para cumprimento da pena que acabava de lhe ser imposta. E o Tribunal da Relação conheceu dessa materia em qualquer dos dois processos, tendo as respectivas decisões finais sido notificadas e nada se tendo requerido depois disso, o que portanto ocasionou o seu transito em julgado.
Convem referir ainda que esse transito não se operou apenas por inacção das partes; com nenhuma dessas revestiu a natureza de condenatoria e nem deu lugar a determinação do processo, tornaram-se ambas legalmente irrecorriveis em face do disposto no n. 6 do artigo 646 do Codigo de Processo Penal, quer em face da redacção dada pela Lei n. 2138, de 14 de Março de 1969, quer com a actual, dada pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 402/82, de 23 de Setembro.
De concluir, portanto, como tambem se conclui no acordão preliminar, que realmente existe entre os dois mencionados acordãos a oposição que serve de base ao recurso interposto para o Tribunal Pleno, pelo, que ha que tirar assento, com valor tão -somente para a fixação da jurisprudencia, como resulta do ja citado artigo 669, na sua parte final.
A norma contida no paragrafo 4 do artigo 450 do Codigo de Processo Penal impõe ao juiz a obrigação de ordenar na sentença a recolha do reu a cadeia (naturalmente por meio dos respectivos mandados) se o houver condenado em pena privativa da liberdade e ele estiver presente ao julgamento.
Mas esta disposição, que foi incluida nas regras gerais sobre a audiencia de julgamento, tanto deve ser aplicavel ao caso de este ter sido efectuado com a presença do reu como a sua revelia, pois em preceito algum ela e afastada, designadamente nas disposições legais que especialmente regulam a tramitação do processo a revelia dos reus.
E tambem certo que o paragrafo 2 do artigo 571 do mesmo diploma ordena a notificação pessoal da sentença ao reu julgado a revelia, para assim lhe ser facultado o exercicio do direito de interpor recurso dela ou, no caso de ter sido condenado em pena maior, requerer novo julgamento.
Mas tambem e de considerar que essa notificação, nos termos do mesmo preceito legal, so deve ser efectuada depois de o reu ter sido preso ou se ter apresentado em juizo. Pressupõe, sem duvida, uma ordem de prisão a anteceder aquela sua captura ou apresentação, e essa ordem so na sentença condenatoria podia ter sido dada.
Ate a entrada em vigor do Decreto-lei n. 605/75, de 3 de Novembro, podia argumentar-se ainda que aquela ordem de prisão se justificava somente para os casos que houvessem sido julgados com a presença do reu e em que ele tivesse renunciado previamento ao recurso, e não tambem para os ausentes, pois so quanto aos primeiros a sentença se considerava transitada e era desde logo exequivel.
A objecção tambem não procede.
Para alem daquela norma legal não fazer qualquer distinção, a sentença tanto podia não transitar no caso de o reu (ou a parte adversa) ter declarado não renunciar ao recurso, como no de o reu ter sido julgado a revelia. E a proceder a objecção teriamos de considerar ilicita a ordem de prisão nos primeiros destes dois casos, o que manifestamente importava violação daquele paragrafo 4.
Mas com a entrada em vigor daquele Decreto-Lei a objecção perdeu ainda mais qualquer consistencia que pudesse ser-lhe atribuida.
E que hoje não ha sentenças com transito imediato.
Se se tiver feito declaração previa de não renuncia ao recurso, este e admissivel tanto em materia de facto como de direito; caso contrario, por força do artigo 20 desse diploma, havera recurso circunscrito a materia de direito.
Ora, havendo sempre recurso das decisões proferidas em processo correccional, nada justifica que so nas sentenças lavradas em processos com a presença do reu seja licito ordenar a sua prisão.
Mais uma objecção se faz a esta interpretação.
Segundo se dispõe nos artigos 116 do Codigo Penal de 1886 e 5 Decreto-Lei n. 402/82, de 23 de Setembro, o cumprimento das penas so tem inicio apos o transito em julgado da sentença condenatoria, o que parece inculcar que so depois desse transito pode ser passada a ordem de prisão.
Mas tambem esta não colhe.
Na verdade, muito embora seja exacto que o cumprimento das penas so naquele momento se inicia, não e menos certo que a propria lei, nos artigos 117 do Codigo velho e no 80 do novo, manda que seja descontada a totalidade da prisão preventiva porventura sofrida pelos condenados, e tanto no caso de ter antecedido a formação da culpa como de lhe ser posterior.
Portanto, com a prisão efectuada antes do transito em julgado da sentença condenatoria nenhum prejuizo pode resultar para o reu, ate porque, com a interposição de recurso dela bem pode continuar em liberdade.
Ha ainda quem pense que a prisão anterior ao transito em julgado da sentença condenatoria colide com o disposto no artigo 32, n. 2, da Constituição da republica, quando ali se dispõe que "todo o arguido se presume inocente ate ao transito em julgado da sentença condenatoria".

Esta norma não pode, todavia, ser interpretada isoladamente, havendo que lançar mão do elemento sistematico.
E o certo e que outros preceitos existem nesse diploma fundamental a conduzirem-nos a interpretação diferente, entre os quais podem citar-se os artigos 27, ns. 2 e 3, e 210, ns. 2 e 3.
O primeiro estabelece a regra geral sobre a liberdade e a segurança dos individuos e de que ninguem pode ser privado daquela a não ser em consequencia de decisão judicial condenatoria. E o segundo a de que as decisões dos tribunais são obrigatorias, tanto para as entidades publicas como para as privadas, remetendo para a lei geral a regulamentação dos termos da respectiva execução dessas normas.
E em nenhuma dessas disposições se faz qualquer referencia ao transito em julgado das sentenças, o que seria essencial se na verdade se tivesse querido consagrar o sistema de so permitir a prisão dos condenados apos esse transito.
Acresce que a propria Constituição consagra tambem a possibilidade de os individuos serem privados da liberdade, e ate sem culpa formada, como se ve das varias alineas do n. 3 daquele artigo 27, o que manifestamente constitui excepção aquela regra contida no artigo 32, n. 2. E então diriamos que seria incongruente pernitir a prisão preventiva, ate sem culpa formada, com base em indicios, e não a autorizar quando ja houvesse uma sentença condenatoria, ainda que não transitada em julgado.
E nos termos de partir do principio de que o legislador consagrou nos textos as soluções mais acertadas, como expressamente consta do n. 3 do artigo 9 do Codigo Civil.
Podemos assim concluir que tem inteiro apoio na lei a ordem de prisão imediata a incluir nas sentenças que em processo correccional julgado a revelia imponham pena privativa da liberdade.
Nos termos que ficam expostos, decide-se conceder provimento ao recurso e, consequentemente, proferir o seguinte Assento:
"Em processo correccional deve, na sentença que imponha prisão a reu julgado a revelia, ordenar-se a sua captura, independentemente do transito em julgado".
Não e devido imposto de justiça.

Lisboa, 10 de Abril de 1984

Antero Pereira Leitão (Relator) - Licurgo Augusto dos Santos - Antonio Judice de Magalhães Barros Baião
- Abel Vieira Campos Carvalho Junior - Antonio Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Junior - Octavio Dias Garcia - Rui de Matos Corte Real - Amilcar Moreira da Silva - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Jose Fernando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Orlando de Paiva Vasconcelos Carvalho - Manuel Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - Jose dos Santos Silveira - Manuel Baptista Dias da Fonseca - Silvino Alberto Villa-Nova - João Fernandes Lopes Neves - Raul Jose Dias Leite Campos - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Americo Fernando de Campos Costa (Vencido quanto a questão previa pelas razões constantes na declaração de voto anexa) - Manuel Flamino dos Santos Martins (concordo com o voto do Colega Campos Costa) - João de Sa Alves Cortes (Vencido, por continuar a entender, como explicitei no acordão de que fui relator, que os artigos 27, ns. 1, 2, 3, e 32, n. 2, da Constituição da Republica Portuguesa impõem que contra o reu condenado a revelia em processo correccional não podem ser emitidos mandados de captura, antes do transito em julgado da respectiva sentença, visto que a prisão preventiva so e possivel quando for aplicavel pena de prisão maior, agora pena de prisão superior a tres anos).
Declaração de voto:
Desde que o recurso do acordão recorrido foi, bem ou mal, mandado subir imediatamente a Relação (alias, com o fundamento de que a sua retenção o tornaria absolutamente inutil - artigo 734, n. 2, do Codigo de Processo Civil, aplicavel por força do artigo 649 do Codigo de Processo Penal), e seguro que dele podia igualmente recorrer-se desde logo para o Supremo.
E não se diga que, nos termos do artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal, no caso não ha recurso para o Supremo, em razão de a admissibilidade do recurso dos acordãos condenatorios da Relação não abranger os arestos condenatorios na parte em que se ocupem de questões marginais, como a de o juiz se cingir a ordenar a prisão imediata do reu, sem embargo de a sentença ainda não haver transitado.
E que a tal doutrina se podem opor tres ordens de considerações. Em primeiro lugar, a letra da lei não faz qualquer restrição, ja que autoriza amplamente que se recorra para o Supremo dos acordãos condenatorios das Relações, qualquer que seja, portanto, o tema de que ele se ocupe.
Em segundo lugar, em materia de recursos, na duvida, as leis não devem ser objecto de uma interpretação limitativa da sua letra.
Acresce, por fim, que uma interpretação restritiva apenas se justificaria se a ratio legis o aconselhasse, o que não acontece. Pelo contrario, a ratio da permissão do recurso para o Supremo apenas dos acordãos condenatorios tem que ver com a circunstancia de so eles afectarem o direito a liberdade reconhecido no artigo 27, n. 1, da Constituição da Republica. Ora, o direito a liberdade não e atingido unicamente na parte em que as decisões condenam os reus em determinadas penas, pois igualmente o e, sem sombra de duvida, na parte em que o juiz ordena a prisão imediata dos reus, sem aguardar o transito em julgado das respectivas sentenças condenatorias.
A. Campos Costa.